segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O que a morte do Monitor diz sobre nós

Vitor Menezes

Quem já assistiu Dogville entenderá o que quero dizer. Há na história a insinuação de uma cumplicidade em torno de uma culpa que aprisiona os habitantes do vilarejo. Na ausência de grandes sucessos coletivos, o que os une são os fracassos. A liga que os mantém pertencentes ao lugar é um somatório de ressentimentos mútuos. Quanto mais desconfiam uns dos outros, mais se sabem parecidos e necessários para que entendam a si mesmos. E mais ferozmente rechaçam a visitante indesejada que os expõem aos seus fantasmas.

Penso em coisas assim quando lembro que não foi possível levantar parcos R$ 250 mil junto a pessoas físicas e jurídicas de Campos para comprar a marca Monitor Campista para mantê-la viva, pronta para completar 176 anos no dia 4 de janeiro de 2011, desta vez sob a guarda de uma instituição que fosse gestada pela sociedade, uma Fundação ou algo do gênero, como propôs o Movimento Viva Monitor. E, por não dispormos desta ninharia na cidade do orçamento bilionário, pela falta do equivalente a menos de 1/3 do que custou a mega tenda da Bienal (R$ 820 mil), apenas para ficarmos em um exemplo recente de opulência, o terceiro jornal mais antigo do País morreu.

Teve empresário líder de entidade classista que chorou na manifestação contra o fechamento do jornal e depois não foi capaz de mobilizar nem a si mesmo para fazer uma doação, muito menos os seus colegas. Teve comerciante tido como próspero que teve a cara-de-pau de doar tão pouco que, envergonhado, pediu para tirar seu nome da lista de doadores (onde, transparentemente, figurava como qualquer um). Teve colunista social que desdenhou da mobilização, justamente por ser uma mobilização, coisa de empregados do jornal, portanto algo natimorto. Teve blogueiro tido como entusiasta dos movimentos coletivos que desconfiou tanto, mas tanto, que não foi capaz de ultrapassar a inércia da sua desconfiança.

Certa vez conheci uma cidade no Rio Grande do Sul que tem como principal monumento, em sua mais charmosa praça, uma estátua em homenagem ao cooperativismo. Trata-se de Nova Petrópolis, que se orgulha de ter a mais antiga cooperativa de crédito do Brasil e tem até um roteiro sobre o tema para turistas.

Lembrei dela quando ouvi, na Bienal encerrada ontem, a pesquisadora Dilcéa de Araújo Smiderle, que lançou “O Multiforme Desafio do Setor Sucroalcooleiro de Campos dos Goytacazes”, afirmar que Campos não consegue aproveitar o boom do etanol no mundo, entre outras razões, por serem os campistas muito desconfiados uns dos outros. Seu argumento é o seguinte: como o agronegócio requer grandes investimentos e grandes áreas, e como as propriedades locais foram, ao longo de séculos, repartidas por muitos herdeiros, elas se tornaram pequenas e a única forma de torná-las “grandes” seria por meio do associativismo (para, por exemplo, viabilizar a irrigação), o que não ocorre. Nem mesmo para salvar a lavoura.

Um ano após a morte do Monitor, percebo que este até se mostra um assunto indesejado. Uma vergonha que queremos ocultar. Como os habitantes de Dogville, o que nos resta é compartilhar em silêncio mais esta culpa que nos amesquinha e nos torna tão unidos em nossa vilania. Algo que só os nossos olhares cada vez menos altivos revelam. Mas no íntimo sabemos: deixamos o Monitor morrer, para o gáudio dos seus assassinos diretos. Somos cúmplices em mais este caso de homicídio. E, portanto, somos cada vez mais campistas.

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